Mais uma vez caminho por essa estrada que parece não ter fim.
Em meio a devaneios sobre a vida vi ao longe uma estátua. Ao me aproximar notei extrema semelhança com alguém que já havia visto antes. Demorei para encontrar uma placa onde explica quem era aquele senhor de bigode quadrado, postura ereta e olhos marcantes. Hitler. É claro, mas quem colocaria uma estátua de um homem inerente ao nazismo em uma cidade como essa? Se é que posso chamar isso de cidade. Ruas desertas. Casas antigas. Uma população composta por 70% de pessoas velhas. Mas é o lugar perfeito para descansar por um final de semana. Ainda bem que dei ouvidos a minha amiga e decidi ratificar sua ideia sobre esse lugar. De qualquer forma, nada explica a existência dessa estátua aqui. Que coisa horrível! Será que essa cidade faz apologia ao nazismo? Espero que não!
Continuo a andar e em menos de 30 metros avisto um senhor com um livro em mãos e algumas crianças e adultos ao redor. Parei para escutá-lo. Ele dizia assim:
_ E não importa o que o mundo fala do meu pai, para mim ele morreu como um soldado e não como um covarde.
As crianças o aplaudiram e cada um foi em direção à sua casa, deixando aquele senhor a observar o céu com seu semblante cansado. Parei ao seu lado para perguntar-lhe a respeito de quem ele estava falando.
_ Senhor, desculpe minha intromissão, mas sou uma pessoa curiosa e gostaria muito de saber quem foi o seu pai, tenho a impressão de que ele foi um herói.
_ Minha querida, não és daqui pelo visto, estou certo?
_ Está sim senhor, como sabes?
_ Essa cidade foi esquecida pelo país. Todos daqui nos conhecemos. Prazer, meu nome é Richard Hitler!
Estremeci ao ouvir seu nome.
_ Prazer, Simone Cultier. O senhor disse Hitler? Uau, quem foi seu pai então?
Com uma risadinha típica de um idoso com seus 80 anos ele responde:
_ Adolf Hitler moça. Meu pai foi o temido e conhecido Hitler.
Fiquei banzada. Sem perceber dei um passo para trás.
_ Impossível! A história não relata nenhum filho de Hitler!
_ Pois eu estou aqui. Não precisa ter medo, não sou como meu pai. - Falou o senhor com tom de tristeza.- Aos 54 anos ele engravidou minha mãe. Sempre nos manteve em segredo em Turíngia. Quando eu tinha 13 anos ele se matou em Berlim, assim que descobrissem a existência de minha mãe e eu, nos matariam. Ninguém gostava de uma criança bastarda. Nos escondemos em um navio de carga sem saber o destino dele. Passamos 2 meses no meio da sujeira até desembarcarmos aqui no Brasil. Desde então criamos nossas raízes aqui, nessa cidade pequena onde as pessoas olham para você e não para seu nome. - Disse a ultima frase com uma alegria visível. - A maioria das pessoas criticam meu pai sem nem conhecer sua história. Aos 18 anos ele ficou sozinho no mundo com minha tia. Teve que aprender a crescer com a ajuda de quem convivia por perto. Seu melhor amigo pregava o antissemitismo veemente e nem por isso é lembrado na história da Alemanha como o "monstro" que pintam meu pai. Se somente meu ele demonstrasse tal preconceito contra judeus, negros e outros, não teria existido o holocausto. Mas a sociedade se esquece que todos os alemães contribuíram para isso. Não tento livrar meu pai das atrocidades que ele ajudou a cometer, pelo contrario, me envergonho por isso, principalmente sabendo que minha avó era judia. Mas devo lembrar que ela era judia e mesmo assim ele não a matou! Meu pai tinha coração, mas, assim como todos os homens, tinha sede do poder. É uma pena ele ter conseguido da pior forma. Agora minha jovem, peço licença pois estou cansado e está ficando tarde. Foi um prazer conhece-la.
Fiquei ali parada observando aquele senhor se levantar e ir andando em direção à sua casa com a alegria de quem enaltece o dia que passou e espera ansiosamente pelo que está por vir.
Voltei a caminhar pela rua deserta em direção à pousada onde eu me instalara com meus pensamentos voltando a fazer devaneios. Dessa vez, sobre a vida daquele homem que passou por tanta coisa e ninguém sabe, enquanto outros fazem tão pouco, não sofrem quase nada mas gritam por sua dor tão alto para que os outros sintam pena que realmente é o que acaba acontecendo.
Cheguei nesse lugar desejando tantas coisas. Agora saio dele querendo apenas ter as forças de Richard para passar cada dia com a alegria que ele transmite apesar de todo sofrimento que passou.
